A arte de morrer em paz
- Psicóloga Elaine C. A. Evangelista
- 18 de set. de 2017
- 4 min de leitura
Embora vivenciar o luto da partida de um ente querido seja uma experiência que todos enfrentam, constantemente escutamos e observamos comentários e relatos da morte de outras pessoas e vivemos como tabu um momento pelo qual todos tememos e evitamos pensar. Temos a tendência em desperdiçar os nossos momentos, nos achando imortais e eternos. Quando pensamos em doenças terminais, não muda muito o pensamento. Há situações em que as pessoas que se encontram nessa situação são descartadas e abandonadas em seus leitos, num momento em que mais precisam de ajuda, e, se deparar com o seu ente querido nessa situação de finitude, traz, muitas vezes, revolta e indignação.
Quando se fala em Cuidados Paliativos, muitos familiares podem achar que colocar um parente sob esses cuidados, equivale a esperar friamente a morte dessa pessoa. Mas não se trata de entregar-se ao inevitável. Trata-se de ajudar o paciente a levar uma vida digna e significativa ao lado de pessoas queridas até o último momento e, ao mesmo tempo, amenizar o sofrimento. Visto que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em conceito definido em 1990 e atualizado em 2002, "cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais".

Do latim “Pallium”, paliativo, quer dizer manto, aquilo que cobre, que abriga, que ampara. Assim, o cuidado Paliativo é formado por uma equipe multidisciplinar estruturada, que visa o bem estar físico, emocional, social e espiritual do paciente que já não tem mais a possibilidade da cura, olhando e acolhendo esse paciente enquanto ser humano, um indivíduo que caminha em direção a sua finitude, tratando-o como protagonista de sua própria história de existir no mundo. Dar autonomia ao paciente para que o mesmo participe ativamente em seu processo de adoecimento é algo de suma importância, pois integra os direitos da pessoa humana e, como tal, deve ser preservada. Isso inclui o poder de decidir em permanecer no conforto do seu lar, junto aos familiares, pois, os cuidados paliativos vão além das paredes hospitalares.
É natural que pacientes terminais sintam medo, dor, insegurança, isolamento e angústia. Assim, o acolhimento e a escuta são instrumentos essenciais para conhecer a demanda do paciente e estabelecer uma relação de confiança com o mesmo. Pois, a partir do momento que o paciente ou familiar se sente acolhido e visto pela equipe, compreende-se a finitude de forma menos sofrida. Para o paciente, sentir-se envolto por pessoas que lhe ofereçam essa proteção auxilia na tranquilidade com que ele enfrenta essa fase, já no familiar, auxilia no enfrentando do processo saudável do luto quando esse ente partir.
O sofrimento de cada ser humano é único e, portanto, deve ser ouvido e acolhido em sua singularidade. O sofrer pode até ser inerente ao processo de morrer, mas a dor física e espiritual pode ser opcional. No caso do paciente que escolhe e consegue estar sob os cuidados paliativos, a opção é pela minimização da dor, seja ela qual for através da humanização do processo de morrer.
A equipe de profissionais que se dedica a este trabalho deve ter em mente que o olhar caloroso faz o paciente acreditar nele, que ele vai dar conta, que ele tem pouco tempo, mas que você está ali do lado. Tratando os sintomas dele com respeito, afeto, dedicação e determinação. Dessa forma, o paciente tem a chance de viver aquele momento “sem dor” e também se reconciliar com a vida, com as pessoas, de agradecer. Pensando, por fim, como afirma a Drª. Ana Claudia Quintana Arantes no seu livro, que “a morte é um dia que vale a pena viver”.
Um papel de suma importância da equipe multiprofissional, é o papel do psicólogo que através da escuta clínica, agirá como facilitador na comunicação entre a família/médico/paciente. A fala do paciente sobre sua história de vida o faz recordar da importância do seu papel na sociedade, reconstituindo sua autoimagem e constituindo indiretamente a elaboração da morte.
O atendimento psicológico deve ser iniciado precocemente, ou seja, assim que o paciente obtém o diagnóstico, visando à minimização do sofrimento do paciente e uma morte com melhor qualidade. Pois muitas questões íntimas e problemas familiares vêm à tona nos momentos finais da vida. Cabe ao psicólogo o cuidado com a família do doente, no manejo em situações adversas e muitas vezes não compreendidas, estimulando o pensamento e a fala sobre a situação do paciente, contribuindo assim, para o processo de elaboração do adoecimento e luto.

Quando refletimos em promover a dignidade no cuidado paliativo, deve-se destacar que todo o processo do cuidar irá influenciar diretamente no alívio da dor e de outros sintomas angustiantes, ajudará o indivíduo a entender que a morte é um processo natural e assim será preparado a enfrentar que não existe o fato de “acelerar” ou “adiar” a morte.
O ato de dignidade deve integrar os aspectos psicológicos e espirituais do cuidado, oferecendo um sistema de apoio para ajudar os pacientes e a família a viver tão ativamente quanto possível até a morte, ajudando principalmente a família a enfrentar o período de doença do paciente e o próprio luto.
O morrer com dignidade deve ser interpretado pela sociedade com a mesma importância do nascer com dignidade, aguardando o tempo a quem nos submeteremos na espera contemplativa na arte de morrer em paz.
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